quinta-feira, 28 de julho de 2011

Princípios de Interpretação

PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA

Os princípios de interpretação bíblica são essenciais para o estudante da Bíblia, já que ela é objeto de nosso estudo. O conceito ortodoxo de que a Bíblia é a palavra de Deus pode levar alguém a pensar que basta abrir a Bíblia e sair interpretando de qualquer maneira e estaremos recebendo a mensagem de Deus.
É exatamente aí que está problema, pois a não observância desses princípios pode levar o pregador a distorcer o sentido do texto e transformar palavra de Deus em palavra de homem ou até mesmo de Satanás. Foi o que ocorreu com Eva no Éden, o que era palavra de Deus Satanás distorceu o sentido, transformando em sua própria palavra. Por isso Karl Barth, o Pastor suíço Pai da Neo-ortodoxia teológica propôs a idéia de que a Bíblia se torna a palavra de Deus na medida em que eu tenho um encontro com Deus através da Bíblia e na medida em que haja probidade em sua interpretação.
A imperícia hermenêutica, i.e., a não observância de alguns princípios tem produzido sectarismo e facção no meio do povo de Deus. A própria história da Igreja está permeada de guerras e contradições, porque a Igreja acreditava estar interpretando a Bíblia corretamente. Já houve caso de castração por parte de líderes da Igreja primitiva, como ocorreu com Orígenes, um dos pais da Igreja no século II, que se castrou ao interpretar ao pé da letra o texto de Mt 5. 29. Já houve casos de sacrifícios de crianças e até prática de suicídio. Todas essas barbaridades foram cometidas por pessoas que acreditavam estar fazendo a vontade de Deus e acreditavam estar interpretando a Bíblia corretamente. Por isso Hermenêutica é um assunto atual e imprescindível para os dias que vivem.
A base da hermenêutica é cristocentrica, a Bíblia deve ser interpretada a partir de Jesus. Ele é o verbo vivo de Deus Jo 1.1

I.TEXTO E O CONTEXTO

Este princípio tem sido o mais negligenciado na abordagem bíblica, principalmente por muitos pregadores que se atém a um único texto, não observando o contexto, i.e., o que vem antes ou depois. E munidos desse texto isolado saem disparando suas manias e crendices de cima dos púlpitos das Igrejas dizendo: ``Não sou eu que estou dizendo, é a Bíblia``.
Qualquer pessoa pode usar a Bíblia para defender um conceito, seja verdadeiro ou falso, veja alguns exemplos: No Salmo de nº 53 na segunda linha do primeiro versículo está escrito: ``Não há Deus``, mas o que vem antes diz: disse o néscio no seu coração. Em I Cor. 15.18 está escrito: E também os que morreram em Cristo estão perdidos. Mas no versículo anterior diz: Se Cristo não ressuscitou é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados. Em II cor. 3.6 está escrito que a letra mata, mas Paulo jamais quis dizer que ser um crente erudito caracteriza esfriamento espiritual. Pelo contrário, neste capítulo Paulo faz um paralelo entre Antigos e Novos Testamento, entre Moisés e Paulo, tendo em vista que Moisés escreveu quase um terço do Antigo Testamento e Paulo quase um terço do Novo. Moisés foi Ministro da palavra no Antigo Testamento e Paulo Ministro da palavra no Novo. Se, foi glorioso para Moisés escrever o Antigo que ordenava a morte do pecador, quanto mais para Paulo, visto que o Novo ordena a vida eterna, pois a Letra do AT mata, enquanto no NT, o espírito vivifica. Só lendo o capítulo é que vem a tona uma compreensão mais clara do que Paulo quis dizer.
Além do contexto próximo, não se pode desprezar o contexto remoto, aquele à luz de toda a Bíblia. Quando Jesus cita algum personagem do Antigo Testamento para nos ensinar alguma lição, só podemos entender melhor essa lição se conhecermos toda a história daquele personagem do Antigo Testamento, para tanto é preciso recorrer ao texto no Antigo Testamento para elucidar um texto no Novo.
A Bíblia não diz explicitamente quantos dias a família de Noé ficou na Arca, mas se fizermos as contas no capítulo anterior e posterior, chegaremos ao número de 371 dias. Paulo diz que raspou a cabeça porque tinha voto. Só iremos entender esse tipo de voto se abrirmos a Bíblia em Números 6, o texto que explica esse tipo de voto. Buscar um texto remoto é recorrer em toda a Bíblia para buscar referencias que dizem respeito ao texto estudado.
O Apostolo Pedro deixou uma grande contribuição para a Igreja nesse sentido. Veja II. Pedro 1.20 Sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Exemplo: Marcos 16.16 Quem crer e for batizado será salvo, quem não crer estará condenado. Se este versículo não for analisado à luz das escrituras, i.e., numa compreensão mais ampla do batismo em outros textos da Bíblia, então poderemos defender a postura radical de que o batismo é um ato regenerador e que as águas limpam os pecados literalmente. Mas se entendermos o significados do batismo em outros ensinos de Jesus e de Paulo, chegaremos a conclusão de que o Batismo é um ato simbólico visível diante da Igreja de que somos regenerados, uma demonstração de que entramos no reino de Deus presente.



II.MANDAMENTOS E RECOMENDAÇÕES

Como a Bíblia é a palavra de Deus e nela buscamos atender a voz de Deus em obediência, a tendência é acreditarmos que tudo que está escrito na Bíblia é um mandamento que devemos cumprir hoje. Mas nem sempre se deve abrir a Bíblia e sair cumprindo o versículo em tela, pois isso poderá causar–nos alguns problemas. É preciso saber diferenciar mandamento permanente de recomendação temporária. Se um crente a abrir a Bíblia dizendo: `` Senhor fale comigo`` e ao abrir se deparar com o texto de II Tim 4.13 é possível que este crente seja impelido a comprar uma passagem aérea para Troas com vistas a buscar a capa e os livros de Paulo. Acontece que a capa e os livros de Paulo não existem mais, seria perder tempo e dinheiro. A recomendação é temporária, pois estava sendo feito o pedido para Timóteo buscar os livros e a capa de Paulo que estava em Troas.
O estudo da palavra de Deus está em duas esferas: O que disse e o que diz. O que disse é o que foi dito na época em que foi escrito, ou seja, é o método que chamamos de exegese, depende do conhecimento da língua do contexto religioso, político, econômico, cultural da época em foi escrito.
O que diz é a aplicação para o nosso dia-a dia, é o que todo mundo busca na Bíblia. É o que Deus quer falar comigo aqui agora, preciso de uma palavra. É a aplicação para minha vida pessoal. O que diz é exatamente o estamos fazendo, estudando hermenêutica. Interpretar a Bíblia é fazer hermenêutica, e isso é aplicar os ensinos da palavra de Deus para minha vida hoje. Exegese é um trabalho mais técnico que visa extrair do texto Bíblico original, isto é, traduzir do idioma que foi escrito os textos bíblicos, visando elucidar os pontos mais obscuros e polêmicos da Bíblia.
Deve-se buscar uma vida piedosa fazendo hermenêutica, devo sempre que possível, dos textos escolhidos aplicar para minha vida hoje. No caso da capa de Paulo, seria absurdo cumprir a recomendação, mas a lição de que devo ter cuidado com meus livros e com minha aparência pessoal é pertinente. O fato de estar isento da recomendação temporária não excluiu o leitor de tirar alguma lição bíblica para os dias de hoje.
Se eu abrir a Bíblia em gálatas 6.7, deparo-me com um mandamento permanente, do qual terei que cumprir a risca, pois assim está escrito: Não erreis, de Deus não se zomba, pois tudo que o homem semear isto também ceifará. Escolhi alguns textos como exemplo do que é mandamento permanente e recomendação temporária.

Exemplos de recomendações temporárias:
*Não cumprimentar as pessoas. Lc 10
*Não carregar dinheiro no bolso.
*Não carregar malas com roupa de reserva.
*Evangelizar de dois em dois.
*Lavar os pés dos ouros.
*Comer na casa dos crentes por algumas semanas Lc. 10.7
*Sacudir o pó dos pés por não ser bem recebido.
*Comprar armas para se defender Lc 22.36
*Beijar todos os crentes ao cumprimentar.
*Usar o véu ou se comportar de acordo com os costumes da época.
*Tomar vinho para sarar estômago.
*Tomar bebida forte uma vez por ano. Dt 14.26
*Não permitir que mulher fale ou ensine na Igreja.

Exemplos de Mandamentos permanentes:
Não adulterar Gn 5
Não matar.
Não se tornar falsa testemunha.
Não roubar.
Não difamar.
Não odiar.
Fazer o bem Gl 6.7.
Orar sempre.
Perdoar.
Compreender os outros.
Amar o próximo
Ser pacífico.
Não fazer o mal.
Não irritar os filhos
Amar a esposa.
Exercer a cidadania.
Adorar somente a Deus.
Guardar um dia da semana para reflexão e descanso físicos.
Não tomar o nome de Deus em vão.
Obs As recomendações temporárias não devem ser confundidas com os mandamentos permanentes. Paulo faz recomendações para Igrejas da Grécia que jamais poderia fazer para um judeu. Paulo recomenda costumes para crentes romanos que jamais poderia recomendar a gregos ou judeus, devido suas diferenças culturais. O evangelho permeia e transpassa as barreiras culturais da época e do tempo.

III.REGRA POR IMITAÇÃO

Um dos maiores equívocos cometidos pelos cristãos ao longo da história foi usar a Bíblia come regra de fé por imitação. Este princípio causou danos irreparáveis ao mundo cristão e nada contribui para o engrandecimento do reino de Deus na terra. A Bíblia é a palavra de Deus e regra de conduta e fé dos cristãos, mas não devemos confundir regra de fé com regra por imitação. Alguns crentes abrem a Bíblia, se empolgam com as atitudes dos heróis da fé e saem imitando os seus feitos. Isso pode se tornar muito perigoso. Davi foi homem de Deus, no entanto cometeu adultério, cometeu crime culposo e foi relapso com a criação dos seus filhos. Abraão orou debaixo da arvore por ter herdado crendices de seus ascendentes. Noé tomou um porre de vinho e se embriagou. Paulo raspou a cabeça por respeito a um voto feito pelos seus Pais. O voto de nazireu era por tempo determinado e por tempo indeterminado. No caso de Paulo era por tempo determinado. Pedro negou Jesus. Josué teve ciúmes dos profetas que auxiliavam Moisés. A Bíblia não é um livro para se ler e sair imitando o que os homens de Deus fizeram. É necessário que o estudante tenha um senso crítico para absorver os atos bons e rejeitar os atos indecorosos. Os amigos de Jô proferiram muitas palavras e algumas pessoas repetem suas palavras como sendo palavra de Deus por estar registradas na Bíblia, no entanto no final do livro de Jô está escrito com todas as letras que eles não falaram corretamente perante Deus.

IV.CONTEXTO CULTURAL

Quando nos deparamos com dificuldades para compreender algum texto, não podemos desanimar. É preciso que o estudante tenha garra e determinação na busca da compreensão do texto. Não podemos ignorar que há um abismo histórico e cultural entre nós e os acontecimentos bíblicos. O estudante pode fazer uma ponte entre esses abismos. Para tanto é preciso recorrer a livros que tratam do assunto. Existem bons livros que abordam os costumes e valores culturais daquela época. Temos um exemplo simples, mas que nos ajuda a compreender porque Jesus disse que vinho novo em odre velho estraga o vinho e o odre. Ocorre que, o odre era de couro de animais, o vinho ao fermentar esticava o odre de couro novo, mas se o odre de couro fosse velho, por não ter mais o que esticar estourava e o vinho entornava. Em João 10 nos deparamos com uma doutrina, cujo ensino apresenta Jesus como bom Pastor, mas entender melhor esse ensino é preciso conhecer o contexto cultural, ou seja, os costumes e valores daquela época. Jesus diz que é o bom pastor e que quem entrar por ele, entrará e salvar-se-á e achará pastagem.O termo entrar e sair se torna incompreensível para nós se não conhecermos a cultura da época. Ocorre que naquela época os pastores improvisavam currais de pedra no deserto, isto é, construíam abrigo para guardar as ovelhas à noite e de manhã soltava-as para pastar. De noite as ovelhas se salvavam das feras e de manhã cedo saiam para comer. Havia no aprisco uma porta de acesso para as ovelhas, da qual ficava um pastor de guarda, por isso o ladrão não entrava por ela, mas furtava por cima da mureta do aprisco que tinha quase um metro de altura, daí se compreende porque Jesus disse que o ladrão não entra pela porta. Também se explica porque Jesus se comparou à porta. A metáfora é pertinente quando Jesus me diz sou a porta, pois a porta permitia o acesso da salvação das feras no deserto, como também o acesso para sair e se alimentar de manhã.
Às vezes não entendemos porque alguns nomes se repetem na Bíblia anos depois, como no caso de Abimeleque. Ele aparece em Abrão e depois aparece na história de Jacó. Ocorre que Abimeleque não é nome próprio. Aqui é uma questão gramatical. Ab significa pai, melek significa reino, portanto Abimeleque significa pai de um reino ou de uma dinastia. Como seu nome foi desconhecido, o rabino que escreveu a história usou seu título.Ebedmeleque o servo que levou pão para Jeremias se enquadra na mesma situação. Ebed significa servo, Meleque significa Rei, portanto servo do Rei era um título e não nome próprio.Há muitas outras situações que nos trás dificuldade de compreensão por ignorarmos o contexto gramatical histórico e geográfico, por isso é preciso ter paciência e dedicação na busca da compreensão.O principiante pode então questionar: ``então para eu me salvar terei que ser um exímio exegeta ou perito em hermenêutica``? A resposta é não. Uma criança de cinco anos lê a Bíblia e compreende seus textos, até porque uma das regras da hermenêutica é partir sempre do simples para o complexo. Devemos sempre interpretar partindo da compreensão mais simples do texto e não o contrário.Devemos interpretar partindo do literal para simbólico, quando não couber uma coisa devo encaixar outra, mas não podemos interpretar como se tudo fosse literal, ou como se tudo fosse simbólico.
Os judeus acreditavam que algumas enfermidades eram para morte, portanto, não se devia orar. Acreditavam que algumas enfermidades caracterizavam maldição divina, assim pensavam que Deus queria matar a pessoa enferma, por isso o rabino no livro de Êxodo, escreveu que Deus queria matar Moisés. Seria um paradoxo Deus querer matar um homem que seria o libertador do povo de Deus.
Em Atos 18.18 Lucas escreve que Paulo raspou a cabeça porque tinha voto para cumprir, para entender esse voto é preciso ler e entender Números 6.18. O voto do nazireado era feito por uma mulher que ao nascer o filho o separava para servir a Deus. Nesse caso o menino nazireu não podia cortar o cabelo, nem tocar em cadáver, ou degustar qualquer alimento proveniente da vide. O voto de nazireu era por tempo determinado, ao cumprir os anos do nazireado, era exigido que se fizesse um ritual e raspasse a cabeça do nazireu.
A circuncisão é outro problema para muitos, ela está intrinsecamente ligada à promessa que Deus fez com Abrão. Por isso quando as crianças judia do sexo masculino nasciam, no oitavo dia a família celebrava o ritual da circuncisão. Era a esperança de que da ponta do pênis da criança sairia o sêmen que geraria a mulher, cujo ventre processaria por obra e graça do Espírito santo o nascimento do messias. Por isso se cortava ao redor da extremidade da glande o prepúcio das crianças do sexo masculino ao oitavo dia, uma ordenança que Deus fez para Abraão e seus filhos para marcar a genealogia do salvador.Era uma marca da promessa divina na descendência de Abraão. Circuncidar significa cortar em circulo, portanto o símbolo da aliança de Deus com essa descendência.O cumprimento dessa promessa com a vinda do Messias deixou de ter significado e importância para o povo de Deus, por isso Paulo proibiu que a Igreja absorvesse costumes judaicos inócuos para os cristãos.
As técnicas gramaticais em hermenêutica são importantes, mas não vamos tratar disso neste capítulo.Queremos abordar aqui as parábolas de Jesus, pois são estórias que desenham um quadro ilustrativo de um sermão. O quadro não se atem a pormenores, mas ao todo do desenho. Há um princípio em hermenêutica que não se deve fazer das parábolas uma colcha de retalhos. A Bíblia diz que toda a escritura é divinamente inspirada, com isso ela quer dizer que só o texto bíblico é inspirado. Os títulos que ficam acima dos capítulos ou de textos bíblicos não são inspirados. Esses títulos foram adicionados posteriormente e mesmo assim eles variam de tradução para tradução, porém todo escopo bíblico é inspirado, inerrante e infalível palavra de Deus. É de vital importância que o estudante da Bíblia não seja leigo nesse particular, veja porquê: nem sempre o título expressa a essência do texto e quando isso ocorre, surgem drásticas distorções interpretativas. A parábola conhecida por “filho pródigo” não representa a doutrina principal do desfecho da parábola. Esse título força uma interpretação de que o pródigo (esbanjador) seria o filho mais novo, aquele que não valorizou os bens do Pai, enquanto o mais velho foi o bom filho, que nunca saiu de casa. No entanto o filho mais novo ao sentir seu estado de miséria e desamparo, refletiu e tomou uma decisão contundente. Ele disse: Levantar-me-ei e irei ter com meu Pai e dir-lhe-ei; Pai pequei contra ti. Isso denota o quebrantamento do filho, bem como o valor que ele deu à paternidade. Por outro lado, o irmão mais velho não quis admitir o amor e a bondade do Pai para com seu próprio irmão. A parábola termina e não nos consta que ele tenha se arrependido em relação a sua dureza de coração para com o próximo. O título desta parábola cairia como uma luva se fosse assim denominado: A filiação é ato da bondade e da misericórdia de Deus. O mais novo disse: Já não sou digno de ser chamado teu filho, trate-me como um operário. Em gálatas 4.4 está escrito: vindo a plenitude dos tempos Deus enviou o seu filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, afim de recebermos a adoção de filhos. O filho mais novo apesar de ter esbanjado os bens, se arrependeu e buscou a misericórdia do Pai compreendendo que sua filiação não era um direito próprio, mas um direito que podia ser outorgado pelo Pai. Enquanto o mais velho reivindicou direitos, não valorizou o perdão e a bondade do Pai para com seu próprio irmão, além ser egoísta e legalista. Parece que esse filho representa os crentes legalistas que se autojustificam, mas não vivem a essência do cristianismo que é o amor ao próximo. São os que servem a Deus por interesses e não por amor. Se for que alguém deveria ser rotulado de pródigo no desfecho da parábola, esse alguém deveria ser o filho mais velho que não valorizou o amor de Deus para com o próprio irmão.

Quem já não ouviu pregadores dizendo que Jesus é o bom samaritano, que o hospedeiro é o Espírito Santo, que a estalagem é a Igreja e que os dois denários são dois mil anos. As interpretações fantasiosas que muitos tem produzido desta parábola não representam sua essência doutrinária. Pela regra de hermenêutica aprendemos que não podemos fazer da parábola uma colcha de retalhos, visto que toda parábola tem uma só lição, esposando um único ponto doutrinário. Para entender as parábolas é de suma importância que o estudante conheça o contexto social, econômico, cultural, político e religioso da época em que foi escrito. Dizer que Jesus é o bom samaritano é distorcer o verdadeiro sentido da parábola. Jesus era judeu e não samaritano. Os judeus não se comunicavam com os samaritanos por acreditarem que os samaritanos eram piores que os gentios, devido à miscigenação em que se envolveram. Eles representavam as 11 tribos dispersas que haviam se misturado com gentios, em prejuízo da tradição patrística. Enquanto os judeus preservavam suas tradições religiosas e nacionalistas. Com isso os judeus menosprezavam os samaritanos, rotulando-os de pecadores impenitentes, conseqüentemente os samaritanos se sentiam humilhados. Os judeus não se comunicavam com samaritanos. No capítulo 4 de João está bem clara essa divergência. A mulher samaritana admirou-se pelo fato do Senhor Jesus dirigir-lhe a palavra. Conquanto, a parábola conhecida como “o bom samaritano” deve ser analisado à luz dos acontecimentos da época. O sacerdote pela tradição não podia tocar num morto. O que ele fez? Usou esse pretexto para não socorrer o homem caído à beira da estrada. Afinal de contas, pensou ele, o homem poderia estar morto e na dúvida, preferiu não arriscar. O levita de igual forma, provavelmente estava voltando do culto, já que era o caminho de Jerusalém para Jericó, cidade em que os levitas moravam. O levita passou de lado e possivelmente pensou – se o sacerdote não arriscou, porque me arriscaria. Mas o samaritano que era considerado ímpio aos olhos judaicos, se compadeceu e curou as feridas, deu-lhe provimento e hospedagem. Esta parábola nos ensina uma única verdade - Numa região onde era infestada de religiosos, levou muito tempo para alguém socorrer um necessitado e mesmo quando apareceu alguém para socorrer, esse alguém era irreligioso, um samaritano. O cerne doutrinário desta parábola reflete nossa omissão em ajudar pessoas, com pretexto de termos compromissos religiosos. Esquecemos o que Jesus disse: “quando fizerdes qualquer coisa em benefício dos pequenos, estarão fazendo a mim”. Muitas vezes nós que sabemos fazer o bem, não fazemos, volta e meia nos deparamos com pessoas que consideramos ímpias; ajudando as pessoas. Ninguém melhor do que nós que conhecemos o poder do evangelho está apto a ajudar as pessoas em curto prazo quanto em longo prazo.

A parábola em questão constitui lição de moral para nos incentivar a ajudar as pessoas. Era exatamente isso que Jesus queria ensinar aos religiosos conservadores de tradições, que não eram misericordiosos. Deus, já no Antigo Testamento havia alertado o povo dizendo: “misericórdia quero e não sacrifícios”. O salmista Davi disse que o sacrifício para Deus é ter um coração quebrantado. Portanto aí está o ponto chave da parábola conhecida como “o bom samaritano”. O que passa disso é mera especulação.
Fica claro e explícito que conhecer o contexto cultural, social,econômico, religioso e político da época em que foi escrito a Bíblia é de vital importância para o estudante que se esmera em aplicar da melhor forma possível a palavra de Deus àqueles que o ouvem. Paulo tinha essa preocupação, por isso advertiu Timóteo dizendo: ``persiste em ler e ensinar`` alem dessa recomendação escreveu admoestando que o obreiro deve ser apto para ensinar e que deve estar aprovado como obreiro que não tem de se envergonhar e que manja bem a palavra da verdade.







O Pr. Jesiel Padilha , diretor do Seminário Teológico Querigma, Bacharel e Mestre em Teologia, Pedagogo e Militar federal da Marinha do Brasil.

Por que sofremos

O sofrimento é parte integrante da vida do ser humano, por isso todos sofrem. O sofrimento é intenso e doloroso quando perdemos pessoas que amamos. Sofremos intensamente quando sentimos dor física, seja de parto, de rim ou de coluna. No entanto, a dor do sofrimento tem sido muito mais dramática e intensa na vida de alguns, enquanto de outros, nem tanto. Isso ocorre quando encaramos o sofrimento por vários ângulos. Ou seja, não é tanto a tragédia em si que nos faz sofrer, mas a forma que encaramos a tragédia. Nos países de cultura religiosa, cuja crença sedimenta-se na premissa de que não há vida pós-morte, a morte passa a ser encarada com mais dramaticidade e frustração do que nos países em que se crê que após a morte irão rever seus entes queridos. Quando perdemos bens materiais também sofremos intensamente, há pessoas que até suicidam, mas esse sofrimento pode ser minorado e muito por pessoas que não valorizam bens materiais. A filosofia oriental budista propõe que o segredo da felicidade está na supressão dos desejos. Ou seja, se eu perder um bem, mas não perder a saúde e a vida, é como se nada tivesse perdido. Se alguém está acostumado comer em tigela ou travessa, o dia que precisar comer de pires, será como se o mundo tivesse desabando. Os que exercitam essa supressão do desejo, ou seja, aqueles que são comedidos e abstêmios encaram a perca com pouca intensidade, portanto sofrem menos. O ilusionismo, crença da filosofia budista, propõe que tudo que é belo é ilusão, ou seja, se é ilusão, o dia que as pessoas que acreditam nisso perderem seus bens, encararão a perca das coisas belas com menos intensidade do que os materialistas. O ascetismo, crença segundo a qual o ser humano deve abrir mão de bens materiais para ser feliz, está enraizado em quase todas as culturas religiosas. João Batista era asceta no sentido mais lato da palavra, ele seguia uma rigorosa dieta alimentar da tradição judaica, vestia uma roupa ultrapassada para sua época e pregava contra o descontrole dos desejos sexuais. Jesus foi analisado por muitos estudiosos como adepto da filosofia sínica, teoria segundo a qual, o desprendimento dos bens materiais redundava em alto valor moral e religioso. No entanto, não obstante o mestre Jesus ter ensinado a abstinência, jamais usou isso para demonstrar valor moral e religioso, o que muitos faziam ao dar grandes quantias de esmolas. Certa vez Diógenes que era filosofo sínico, ao chegar na casa de Platão, fez a seguinte pergunta: posso pisar com meus pés sujos e pobres na sua vaidade, se referindo ao tapete vermelho de Platão, Platão retrucou: pode limpar sua vaidade na minha vaidade. Com isso aprendemos que usar a abstinência para tirar proveito religioso não é salutar, mas aprender com Jesus a viver uma vida feliz aqui na terra é salutar e vale a pena. Jesus disse que o ser humano vale mais do que todo o universo cósmico. Ele disse que a vida de um homem ou mulher não se resume nos bens que possui. Ele ensinou investir no ser humano ao invés de acumular riquezas. Ele ensinou a Paulo que nos ensinou, que nada trouxemos para este mundo quando fomos paridos, e nada levaremos daqui quando partirmos para a eternidade. Ele ensinou-nos a entrar em acordo na ante-sala dos tribunais de Justiça. Ele ensinou-nos a rever nossos conceitos para não persistirmos nos erros. Ele ensinou-nos a refletirmos antes de tomar atitudes precipitadas. Portanto, o discipulado de Jesus pode ser um caminho bastante sadio para encarar o sofrimento. Quando sofremos e nos culpamos por isso, o sofrimento se torna muito maior, mas quando nos perdoamos, e pedimos perdão, o sofrimento pode ser minorado. Quando fazemos tempestade em copo dágua, além de sofrermos, fazemos outros sofrerem. Quando somos mesquinhos ao levantarmos questões menores em detrimento das maiores, atraímos um baixo-astral ao nosso redor que gera sofrimento. Quando invejamos ou desejamos o mal, nos apequenamos, nos machucamos e sofremos. Mas quando encaramos as coisas com serenidade, quando perdoamos, quando nos calamos na hora certa e falamos na hora exata, as coisas vão se encaixando, o tempo vai passando, aquilo que encarávamos como mal, passa a redundar em bem, aquilo que era obscuro, logo vem a lume. O que era mau, passa a se comportar como bom. O sofrimento realmente existe, mas saber encará-lo pode amortecer a dor em 80%(oitenta por cento).Há um fato que deixamos passar desapercebidos, é que as coisas que nos inquietam ou que nos faz sofrer, marcam com mais intensidade do que as coisas prazerosas. Por exemplo, se uma pessoa é acometida de uma enfermidade por quinze dias, durante esse percurso ficará a impressão de que o tempo não passou rapidamente. Já, quando essa pessoa goza de perfeita saúde ficará a impressão de que o tempo passou rapidamente. Essa mesma pessoa ficará marcada pelos quinze dias de dor, mas esquecerá que durante outros 350 dias do ano, gozou de perfeita saúde. Uma laranja possui em média 3% do seu conteúdo de sementes, o descuido na hora de chupar a laranja poderá nos causar um desconforto irreparável, provocando até a morte por asfixia em decorrência de uma semente atravessada na garganta. Esquecemos que Deus nos proporcionou as coisas boas da vida para ser desfrutadas, mas também nos ensinou a desviarmos das coisas más. A Bíblia diz : todo dom perfeito vem do Pai da luzes, em quem não há mudança e nem sombra de variação. A vida é boa, não obstante, os obstáculos que surgem diante de nós. Esse desafio de encararmos os maiores problemas e resolve-los só irá nos fazer crescer em graça e amadurecimento cristão.